sábado, 24 de março de 2012




Eu acredito que tudo acontece por um motivo. As pessoas mudam para que você consiga deixá-las para lá. As coisas dão mal para você aprender a aprecia-las quando estão boas. E às vezes, coisas boas se separam para que coisas melhores ainda se juntem.

Marilyn Monroe

Medo

Há este sinal vermelho nas realizações
este algo que nos prende, paralisa
este perigo externo nas internas ações
esta inibição exagerada que nos hipnotiza.

Esta vontade de ser que morre no temor
este freio de um pedido;deseja sim, pensa no não
a procura de uma fonte de luz, fuga da noite
ficar acompanhado por não querer a solidão.

Fuga! Da falta de sorte no amor
do desamparo, prendendo-se a algo protetor
do destino, da doença, da dor,...

Fuga! De tudo que precede a morte
da traição, em algo que lhe conforte
de ser passageiro das fobias fracas e fortes.



Karl Marx Valentim Santos

sexta-feira, 23 de março de 2012




   E esse caminho que eu mesmo 
   escolhi é tão fácil seguir
   por não ter onde ir...  
  
   Raul Seixas “Maluco beleza”

O poder do agora

Onde quer que você esteja, esteja lá por inteiro. Se você acha insuportável o seu aqui e agora e isso lhe faz infeliz, há três opções: abandone a situação, mude-a ou aceite-a totalmente. Se você deseja ter responsabilidade sobre a sua vida, deve escolher uma dessas opções e deve fazê-lo agora. Depois, arque com as conseqüências. Sem desculpas. Sem negatividade.

Eckhart Tolle do livro “O Poder do Agora”

quinta-feira, 22 de março de 2012

Contraste trágicos

Quem não quer ver o que há de elevado num homem olha com maior agudeza para aquilo que nele é baixo e superficial – e assim se revela a si mesmo.

É bastante mau! Sempre a velha história! Quando se acaba de construir a casa nota-se que ao construí-la, sem dar por isso, se aprendeu algo que simplesmente se devia ter sabido absolutamente antes de – começar a construir. O eterno e maçador «tarde de mais!» - A melancolia de todo o terminado!...

Os homens de profunda tristeza denunciam-se quando são felizes: têm um modo de pegar na felicidade como se quisessem esmagá-la e sufocá-la, por ciúme – ah, sabem bem de mais que lhes foge!

Friedrich Nietzsche, in "Para Além de Bem e Mal"

Caráter

Uma pessoa de alma não tem caráter. Uma pessoa é uma abertura. Amanhã... quem sabe quem você será? Mesmo você não pode dizer quem você será, porque você ainda não conheceu o amanhã e o que ele trará. Assim, as pessoas que são realmente alertas nunca prometem coisa alguma, pois como você pode prometer? Você não pode dizer a alguém: "Amarei você amanhã também", pois, quem sabe?

A percepção real lhe trará tamanha humildade que você dirá: "Nada posso dizer sobre o amanhã. Veremos, deixe que o amanhã venha. Espero que eu ainda ame você, mas nada é certo."



Essa é a beleza. Se você tiver caráter, poderá ser muito claro, mas, quando você vive em liberdade, isso pode ser muito confuso para você e também para os outros. Mas essa confusão tem uma beleza em si, porque ela é viva, ela está sempre vibrando com novas possibilidades.


Por Osho

quarta-feira, 21 de março de 2012

A morte não é nada

A morte não é nada.
Eu somente passei para o outro lado do Caminho. Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo. Me dêem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador. Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.

A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Porque eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?

Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho. Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi."
Santo Agostinho

No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos,
mas do silêncio dos nossos amigos.


- Marthin Luther King

Insônia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.

Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.

Álvaro de Campos

terça-feira, 20 de março de 2012

Ego, o falso centro

O primeiro ponto a ser compreendido é o ego.

Uma criança nasce sem qualquer conhecimento, sem qualquer consciência de seu próprio eu. E quando uma criança nasce, a primeira coisa da qual ela se torna consciente não é ela mesma; a primeira coisa da qual ela se torna consciente é o outro. Isso é natural, porque os olhos se abrem para fora, as mãos tocam os outros, os ouvidos escutam os outros, a língua saboreia a comida e o nariz cheira o exterior. Todos esses sentidos abrem-se para fora. O nascimento é isso.

Primeiro ela se torna consciente do você, do tu, do outro, e então, pouco a pouco, contrastando com você, com tu, ela se torna consciente de si mesma. Essa consciência é uma consciência refletida. Ela não está consciente de quem ela é. Ela está simplesmente consciente da mãe e do que ela pensa a seu respeito. Se a mãe sorri, se a mãe aprecia a criança, se diz 'você é bonita', se ela a abraça e a beija, a criança sente-se bem a respeito de si mesma. Assim, um ego começa a nascer.

Por meio da apreciação, do amor, do cuidado, ela sente que é ela boa, ela sente que tem valor, ela sente que tem importância. Um centro está nascendo. Mas esse centro é um centro refletido. Ele não é o ser verdadeiro. A criança não sabe quem ela é; ela simplesmente sabe o que os outros pensa a seu respeito.

E esse é o ego: o reflexo, aquilo que os outros pensam. Se ninguém pensa que ela tem alguma utilidade, se ninguém a aprecia, se ninguém lhe sorri, então, também, um ego nasce - um ego doente, triste, rejeitado, como uma ferida, sentindo-se inferior, sem valor. Isso também é ego. Isso também é um reflexo.

Primeiro a mãe. A mãe, no início, significa o mundo. Depois os outros se juntarão à mãe, e o mundo irá crescendo. E quanto mais o mundo cresce, mais complexo o ego se torna, porque muitas opiniões dos outros são refletidas.

O ego é um fenômeno cumulativo, um subproduto do viver com os outros. Se uma criança vive totalmente sozinha, ela nunca chegará a desenvolver um ego. Mas isso não vai ajudar. Ela permanecerá como um animal. Isso não significa que ela virá a conhecer o seu verdadeiro eu, não.

O verdadeiro só pode ser conhecido por meio do falso, portanto, o ego é uma necessidade. Temos que passar por ele. Ele é uma disciplina. O verdadeiro só pode ser conhecido por meio da ilusão. Você não pode conhecer a verdade diretamente. Primeiro você tem que conhecer aquilo que não é verdadeiro. Primeiro você tem que encontrar o falso. Por meio desse encontro, você se torna capaz de conhecer a verdade. Se você conhece o falso como falso, a verdade nascerá em você.

O ego é uma necessidade; é uma necessidade social, é um subproduto social. A sociedade significa tudo o que está ao seu redor, não você, mas tudo aquilo que o rodeia. Tudo, menos você, é a sociedade. E todos refletem. Você irá à escola e o professor refletirá quem você é. Você fará amizade com as outras crianças e elas refletirão quem você é. Pouco a pouco, todos estarão adicionando algo ao seu ego, e todos estarão tentando modificá-lo, de modo que você não se torne um problema para a sociedade.

Eles não estão interessados em você. Eles estão interessados na sociedade. A sociedade está interessada nela mesma, e é assim que deveria ser. Eles não estão interessados no fato de que você deveria se tornar um conhecedor de si mesmo. Interessa-lhes que você se torne uma peça eficiente no mecanismo da sociedade. Você deveria ajustar-se ao padrão.

Assim, estão interessados em dar-lhe um ego que se ajuste à sociedade. Ensinam-lhe a moralidade. Moralidade significa dar-lhe um ego que se ajuste à sociedade. Se você for imoral, você será sempre um desajustado em um lugar ou outro...

Moralidade significa simplesmente que você deve se ajustar à sociedade. Se a sociedade estiver em guerra, a moralidade muda. Se a sociedade estiver em paz, existe uma moralidade diferente. A moralidade é uma política social. É diplomacia. E toda criança deve ser educada de tal forma que ela se ajuste à sociedade; e isso é tudo, porque a sociedade está interessada em membros eficientes. A sociedade não está interessada no fato de que você deveria chegar ao auto-conhecimento.

A sociedade cria um ego porque o ego pode ser controlado e manipulado. O eu nunca pode ser controlado e manipulado. Nunca se ouviu dizer que a sociedade estivesse controlando o eu - não é possível. E a criança necessita de um centro; a criança está absolutamente inconsciente de seu próprio centro. A sociedade lhe dá um centro e a criança pouco a pouco fica convencida de que esse é o seu centro, o ego dado pela sociedade.

O ego está sempre abalado, sempre à procura de alimento, de alguém que o aprecie. E é por isso que você está continuamente pedindo atenção. Você obtém dos outros a idéia de quem você é. Não é uma experiência direta. É dos outros que você obtém a idéia de quem você é. Eles modelam o seu centro. Mas esse centro é falso, enquanto que o centro verdadeiro está dentro de você. O centro verdadeiro não é da conta de ninguém. Ninguém o modela. Você vem com ele. Você nasce com ele.


Por Osho.

domingo, 18 de março de 2012

Saber Terminar uma Amizade Indesejável

Algumas vezes é necessário romper uma amizade: porque passo agora das amizades dos sábios às ligações vulgares. Muitas vezes quando os vícios se revelam num homem, os seus amigos são as suas vítimas como todos os outros: contudo é sobre eles que recai a vergonha. É preciso, pois, desligar-se de tais amizades —, afrouxando o laço pouco a pouco e, como ouvi dizer a Catão, é necessário descoser antes que despedaçar, a menos que se não haja produzido um escândalo de tal modo intolerável, que não fosse nem justo nem honesto, nem mesmo possível, deixar de romper imediatamente. É preciso tomar cuidado em, desfazendo a amizade, não a substituir logo pelo ódio. Nada mais vergonhoso, com efeito, que estar em guerra com aquele que se amou por muito tempo.

(...) Apliquemo-nos, pois, antes de tudo, em afastar toda a causa de ruptura: se contudo, acontecer alguma, que a amizade pareça antes extinta do que estrangulada. Temamos sobretudo que ela não se transforme em ódio violento, que traz sempre consigo as querelas, as injúrias, os ultrajes. Por nós, suportemos esses ultrajes quanto forem suportáveis e prestemos esta homenagem a uma antiga amizade, de modo que a culpa caiba a quem os faz e não àquele que os sofre. Mas o único meio de evitar e prevenir todos os aborrecimentos é não dar a nossa afeição nem muito depressa, nem a pessoas que não são dignas.

São dignos da nossa amizade aqueles que trazem consigo os meios de se fazer amar. Homens raros! De resto, tudo que é bom é raro e nada é mais difícil do que achar alguma coisa que seja em seu género perfeita em tudo. Mas a maior parte dos homens não conhece nada de bom nas coisas humanas senão o que lhes interessa e tratam seus amigos como aos animais, estimando mais aqueles de quem esperam recolher mais proveito.
Também são eles privados dessa amizade tão bela e tão natural, por si mesma tão desejável; e o seu coração não lhes faz compreender qual é a natureza e a grandeza de tal sentimento. Cada um ama-se a si mesmo, não para exigir prémio da sua própria ternura, mas porque naturalmente a sua própria pessoa lhe é cara. Se não existe alguma coisa de semelhante na amizade, não se achará nunca um verdadeiro amigo; porque um amigo, é um outro nós mesmos.

Se vê nos animais aprisionados ou selvagens, habitantes do ar, da terra ou das águas, primeiro amarem-se a si mesmos (porque este sentimento é inato em toda a criatura), em seguida desejar e procurar seres da sua espécie, para se unir a eles (e, nessa procura mostram um afã e um ardor que não deixa de ser semelhante ao nosso amor), quanto mais essa dupla inclinação na natureza do homem que se ama a si próprio e que busca um outro homem, cuja alma se confunde de tal modo com a sua que de duas não faça mais de que uma.

Marcus Cícero, in 'Diálogo sobre a Amizade'

sábado, 17 de março de 2012

Explicação da Eternidade

Devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
O ódio transforma-se em tempo,

O amor transforma-se em tempo,
A dor transforma-se em tempo.
Os assuntos que julgámos mais profundos,
Mas impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
Transformam-se devagar em tempo.

Por si só, o tempo não é nada.
A idade de nada é nada.
A eternidade não existe.
No entanto, a eternidade existe.

Os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
Os instantes do teu sorriso eram eternos.
Os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

Foste eterna até ao fim.



José Luís Peixoto,  "A Casa, A Escuridão"

A vida não me desapontou

Não, a vida não me desapontou! Pelo contrário, todos os anos a acho melhor, mais desejável, mais misteriosa... desde o dia em que vejo a mim a grande libertadora, a ideia de que a vida podia ser experiência para aqueles que procuram saber, e não dever, fatalidade, duplicidade!... Quanto ao próprio conhecimento, seja ele para outros aquilo que quiser, um leito de repouso, ou o caminho para um leito de repouso, ou distracção ou vagabundagem, para mim é um mundo de perigos, é um universo de vitórias onde os sentimentos heróicos têm a sua sala de baile. «A vida é um meio de conhecimento»; quando se tem este princípio no coração, pode viver-se não somente corajoso mas feliz, pode-se rir alegremente! E quem, de resto, se ouvirá, portanto, a bem rir e a bem viver se não for primeiramente capaz de vencer e de guerrear?

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

"As Oscilações nos Relacionamentos"

 Se pudermos reconhecer o fato de que a mente continua se movendo e mudando continuamente, escaparemos de muitas, muitas misérias, sem nenhum custo. Tudo o que você precisa é simplesmente estar consciente de que a mente muda.
         
Alguém ama você e então você continua esperando o amor. Mas no próximo momento ele odeia você; então você fica perturbado - não por causa do ódio do outro , mas somente devido a sua expectativa.

O outro mudou. Ele está vivo; assim, está fadado a mudar. Mas se você puder ver a realidade como ela é, você não ficará perturbado. Aquele que estava amando um momento antes pode estar odiando um momento depois, mas espere! Um momento depois ele estará amando novamente.
         
Assim não tenha pressa, apenas seja paciente. E se o outro também puder ver esse padrão de mudança, então ele não ficará brigando por causa de padrões de mudança. Eles mudam; isso é natural .

por "Osho"

sexta-feira, 16 de março de 2012

Como se esquece?

?Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar.

A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso a ceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.?  

 Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

Não somos capazes de distinguir o que é bom e o que é mau

Quantas vezes um pretenso desastre não foi a causa inicial de uma grande felicidade! Quantas vezes, também, uma conjuntura saudada com entusiasmo não constituiu apenas um passo em direção ao abismo — elevando um pouco mais ainda alguém em posição eminente, como se em tal posição pudesse estar certo de cair dela sem risco! A própria queda, aliás, não tem em si mesma nada de mal se tomares em consideração o limite para lá do qual a natureza não pode precipitar ninguém. Está bem perto de nós o termo de tudo quanto há, está bem perto, garanto-te, o limite desta existência donde o venturoso se julga expulso e o desgraçado liberto; nós é que, ou por esperanças ou por receios desmesurados, a fazemos mais extensa do que realmente é. Se agires com sabedoria, medirás tudo em função da condição humana, e assim limitarás o espaço tanto das alegrias como dos receios. Vale bem a pena privarmo-nos de duradouras alegrias a troco de não sentirmos duradouros receios!


Por que motivo procuro eu restringir este mal que é o medo? É que não há razão válida para temeres o que quer que seja; nós, isso sim, deixamo-nos abalar e atormentar apenas por vãs aparências. Nunca ninguém analisou o que há de verdade no que nos aflige, mas cada um vai incutindo medo nos outros; nunca ninguém se atreveu a aproximar-se do que lhe perturba o espírito e a averiguar a natureza real e fundamentada do seu medo. Daqui resulta o crédito que se dá a um perigo inexistente, que mantém a sua aparência porque ninguém o contesta a sério. Basta que nos decidamos a abrir bem os olhos para verificarmos como é diminuto, incerto e inofensivo aquilo que receamos. A confusão dos nossos espíritos corresponde perfeitamente à descrição de Lucrécio: «tal como as crianças no meio da escuridão tremem com medo de tudo, assim nós tememos em plena luz!». Pois bem, não seremos nós mais insensatos do que as crianças, nós que tememos em plena luz?

 A verdade, porém, Lucrécio, é que nós não tememos em plena luz, criamos, sim, trevas a toda a nossa volta! Não somos capazes de distinguir o que é bom e o que é mau; passamos toda a vida a correr, a tropeçar às cegas, e nem por isso somos capazes de parar ou de tomar atenção onde pomos os pés. Estás a imaginar como é coisa de loucos andar a correr no escuro! Não conseguimos mais nada senão termos de regressar de mais longe; sem saber para onde nos dirigimos, continuamos teimosamente a caminhar para onde o instinto nos leva. No entanto, se o quisermos, poderá fazer-se luz em nós. De um único modo: adquirirmos o conhecimento das coisas divinas e humanas, um conhecimento interiorizado, e não meramente superficial; meditarmos nessas ideias já adquiridas, comprovarmos a sua validade pela nossa própria experiência; investigarmos o que é bom e o que é mau, e a que coisas se atribui falsamente um ou outro destes adjectivos; averiguarmos em que consiste o bem e o mal éticos — e, finalmente, o que é a providência.

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

A perseverança

Se há pessoas que não estudam ou que, se estudam, não aproveitam, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não interrogam os homens instruídos para esclarecer as suas dúvidas ou o que ignoram, ou que, mesmo interrogando-os, não conseguem ficar mais instruídas, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não meditam ou que, mesmo que meditem, não conseguem adquirir um conhecimento claro do princípio do bem, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não distinguem o bem do mal ou que, mesmo que distingam, não têm uma percepção clara e nítida, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não praticam o bem ou que, mesmo que o pratiquem, não podem aplicar nisso todas as suas forças, elas que não se desencorajem e não desistam; o que outros fariam numa só vez, elas o farão em dez, o que outros fariam em cem vezes, elas o farão em mil, porque aquele que seguir verdadeiramente esta regra da perseverança, por mais ignorante que seja, tornar-se-á uma pessoa esclarecida, por mais fraco que seja, torna-se-á necessariamente forte.

Confúcio, in 'A Sabedoria de Confúcio'

Crítica e auto-crítica

Assim como o homem carrega o peso do próprio corpo sem o sentir, mas sente o de qualquer outro corpo que quer mover, também não nota os próprios defeitos e vícios, mas só os dos outros. Entretanto, cada um tem no seu próximo um espelho, no qual vê claramente os próprios vícios, defeitos, maus hábitos e repugnâncias de todo o tipo. Porém, na maioria da vezes, faz como o cão, que ladra diante do espelho por não saber que se vê a si mesmo, crendo ver outro cão.
 
Quem critica os outros trabalha em prol da sua própria melhoria. Portanto, quem tem a inclinação e o hábito de submeter secretamente a conduta dos outros, e em geral também as suas acções e omissões, a uma atenta e severa crítica, trabalha na verdade em prol da própria melhoria e do próprio aperfeiçoamento, pois possui o suficiente de justiça, ou de orgulho e vaidade, para evitar o que amiúde censura com tanto rigor.

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'

quinta-feira, 15 de março de 2012

As qualidades dos outros

Devido ao homem ter tendência para ser parcial para com aqueles a quem ama, injusto para com aqueles a quem odeia, servil para com os seus superiores, arrogante para com os seus inferiores, cruel ou indulgente para com os que estão na miséria ou na desgraça, é que se torna tão difícil encontrar alguém capaz de exercer um julgamento perfeito sobre as qualidades dos outros.

Confúcio, in 'A Sabedoria de Confúcio'

segunda-feira, 12 de março de 2012

Perca pragmática


Em relação a qualquer coisa nunca digas: «Perdi-a»; diz, ao contrário: «Devolvi-a». Morreu-te o filho? Devolveste-o. Morreu-te a mulher? Devolveste-a. O teu campo foi roubado? Foi também devolvido. Mas quem o roubou é um miserável? Que te importa por quem o retirou aquele que to dera? Enquanto te deixam tais bens, toma conta deles como de um bem que pertence a outrem, como fazem os viajantes numa hospedaria.

Epicteto, in 'Manual'

domingo, 11 de março de 2012

Amar intensamente

De que vale no mundo ser-se inteligente, ser-se artista, ser-se alguém, quando a felicidade é tão simples! Ela existe mais nos seres claros, simples, compreensíveis e por isso a tua noiva de dantes, vale talvez bem mais que a tua noiva de agora, apesar dos versos e de tudo o mais. Ela não seria exigente, eu sou-o muitíssimo. Preciso de toda a vida, de toda a alma, de todos os pensamentos do homem que me tiver. Preciso que ele viva mais da minha vida que da vida dele. Preciso que ele me compreenda, que me adivinhe. A não ser assim, sou criatura para esquecer com a maior das friezas, das crueldades. Eu tenho já feito sofrer tanto! Tenho sido tão má! Tenho feito mal sem me importar porque quando não gosto, sou como as estátuas que são de mármore e não sentem.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1920)"

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dificuldade de prever o comportamento de qualquer pessoa, o nosso inclusivamente

Sendo variável o nosso “eu”, que é dependente das circunstâncias, um homem jamais deve supor que conhece outro. Pode somente afirmar que, não variando as circunstâncias, o procedimento do indivíduo observado não mudará. O chefe de escritório que já redige há vinte anos relatórios honestos, continuará sem dúvida a redigi-los com a mesma honestidade, mas cumpre não o afirmar em demasia. Se surgirem novas circunstâncias, se uma paixão forte lhe invadir a mente, se um perigo lhe ameaçar o lar, o insignificante burocrata poderá tornar-se um celerado ou um herói. As grandes oscilações da personalidade observam-se quase exclusivamente na esfera dos sentimentos. Na da inteligência, elas são muito fracas. Um imbecil permanecerá sempre imbecil.

As possíveis variações da personalidade, que impedem de conhecermos a fundo os nossos semelhantes, também obstam a que cada qual se conheça a si próprio. O adágio “Nosce te ipsum” dos antigos filósofos constitui um conselho irrealizável. O “eu” exteriorizado representa habitualmente uma personalidade de empréstimo, mentirosa. Assim é, não só porque atribuímos a nós mesmos muitas qualidades e não reconhecemos absolutamente os nossos defeitos, como também porque o nosso “eu” contém uma pequena porção de elementos conscientes, conhecíveis em rigor, e, em grande parte, elementos inconscientes, quase inacessíveis à observação.

O único meio de descobrir o nosso “eu” real é, já o dissemos, a acção. Cada qual só se conhece um pouco depois de ter observado a sua maneira de agir em circunstâncias determinadas. Pretender adivinhar como procederemos numa situação dada é muito quimérico. O marechal Ney, quando jurou a Luis XVIII que lhe traria Napoleão numa gaiola de ferro, estava de muito boa fé, mas não se conhecia; um simples olhar do Imperador bastou para que mudasse a sua resolução; o infortunado marechal pagou com a vida a ignorância da sua própria personalidade. Se estivesse mais familiarizado com as leis da psicologia, Luiz XVIII ter-lhe-ia provavelmente perdoado.
As teorias expostas nesta obra relativamente ao caráter podem, por vezes, parecer contraditórias. De um lado, com efeito, insistimos na fixidez dos sentimentos que formam o carácter e, de outro, mostramos as variações possíveis da personalidade.
Essas oposições irão dissipar-se rememorando os pontos seguintes:

1º Os carácteres formam-se a partir de um agregado de elementos afectivos fundamentais, mais ou menos invariáveis, aos quais se juntam elementos acessórios, facilmente mutáveis. Estes últimos correspondem às modificações que a arte do criador aplica a uma espécie, sem modificar por isso os seus carácteres essenciais;

2º As espécies psicológicas acham-se, como as espécies anatómicas, sob a estreita dependência do meio. Devem adaptar-se a todas as mudanças desse meio e a ele, de facto, se adaptam, quando essas transformações não são consideráveis em extremo nem demasiadamente súbitas;

3º Os mesmos sentimentos podem oferecer a aparência de uma mudança quando se aplicam a assuntos diferentes, sem que, entretanto, haja sofrido modificação na sua natureza real. Tornando-se amor divino em certas conversões, o amor humano é um sentimento que mudou de nome, mas não de natureza.
Todas essas averiguações têm um interesse muito prático, porquanto se acham na própria base de muitos problemas modernos importantes, principalmente o da educação.
Observando que a educação modifica a inteligência ou, pelo menos, a soma dos conhecimentos individuais, concluiu-se que ela podia modificar igualmente os sentimentos. Era esquecer por completo que os estados afectivos e intelectuais não apresentam uma evolução paralela.

Quanto mais se aprofunda o assunto, tanto mais firmemente se reconhece que a educação e as instituições políticas desempenham um papel bastante fraco no destino dos indivíduos e dos povos. Essa doutrina, contrária, aliás, às nossas crenças democráticas, parece, por vezes, contrariada também pelos factos observados em certos povos modernos, e é isso que sempre a impedirá de ser facilmente admitida.

Gustave Le Bon, in "As Opiniões e as Crenças"

És linda

És linda. E nem sabes quantos pedaços de beleza tive de juntar para chegar a esta conclusão. Para te construir, tive de misturar a conspiração das searas com a tristeza do choupo, a inquietação da cotovia com o cheiro lavado do vento do ocidente. E a firmeza repartida dos livros, com a alegria explosiva dos miosótis e a luz escura das violetas. Juntei depois um pouco de ansiedade das estrelas, a paciência das casas à beira da falésia, a espuma da terra, o respirar do sul, as perguntas de gesso que se fazem à lua. Acrescentei-lhe a canção das margens e pequenos pedaços da angústia do olhar. Não esqueci a intimidade do frio nem a dor branca que habita o coração dos muros. Por fim, deitei na tua pele o sono dos alperces, aos teus músculos prometi a violência das cascatas, no teu sexo acordei a memória do universo. A tua beleza está no meu desejo, nos meus olhos, na minha desigual maneira de te amar. És linda, repito. Mas tenta não encarar o que te digo como um elogio.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

Sofrer para nada serve

Porque esquecemos os mortos? Porque já não têm préstimo.
Esquecemos, repudiamos uma pessoa triste ou doente, em virtude da sua inutilidade psíquica ou física. Ninguém se abandonará a ti, se não vir nisso algum proveito. E tu? Creio ter-me abandonado uma vez, desinteressadamente. Não devo, portanto, chorar por ter perdido o objecto daquele abandono. Já não seria desinteressado, nesse caso.
No entanto, vendo quanto se sofre, o sacrifício é antinatural. Ou superior às minhas forças. E chorar é ceder ao mundo, é reconhecer que se procurava algum proveito. Há alguém que renuncie, podendo ter? A caridade não é outra coisa que o ideal da impotência. Basta de virtuosa indignação! Se tivesse tido dentes e habilidade, teria apanhado a presa.
Mas isto não impede que a cruz do desiludido, do falido, do sacrificado - eu - seja atroz de suportar. Afinal de contas, o mais famoso dos crucificados era Deus: nem desiludido, nem falido, nem vencido. No entanto, apesar de todo o seu poder, gritou "Eli!", mas depois dominou-se e triunfou, e já o sabia de antemão. A esse preço, quem não queria ser crucificado? Há tantos que morreram desesperados. E esses sofreram mais do que Cristo. Mas a grande, a tremenda verdade é esta: sofrer, para nada serve.


Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver"

quinta-feira, 8 de março de 2012

Um único estilo de vida não é viver, é ser

Não nos devemos apegar assim tão fortemente às nossas tendências e temperamento. O nosso talento principal é sabermos aplicar-nos a práticas diversas. O estar vinculado, e necessariamente obrigado, a um único estilo de vida não é viver, é ser. As almas mais belas são as que têm mais variedade e flexibilidade.
Se me fosse possível constituir-me a meu modo, não haveria nenhuma forma, por melhor que fosse, na qual eu me quisesse fixar de sorte que não fosse capaz de dela me apartar. A vida é um movimento desigual, irregular e multiforme. Não é ser amigo, e muito menos senhor, de si mesmo, deixar-se incessantemente conduzir por si e estar preso às próprias inclinações que não possa desviar-se delas nem torcê-las - é ser escravo de si próprio.
Digo-o neste momento por não me poder facilmente desembaraçar da importunidade da minha alma que consiste em ela normalmente não saber ocupar-se senão do que a absorve, nem aplicar-se senão por inteiro e de forma tensa. Por mais trivial que seja o assunto que se lhe dê, ela logo o aumenta e estica a ponto de ter de se empenhar nele com todas as forças. A sua ociosidade é-me, por esta causa, uma ocupação penosa e prejudicial à saúde. A maior parte dos espíritos precisa de matéria de fora para se desentorpecer e exercitar; o meu dela antes precisa para se acalmar e repousar «os vícios do ócio devem-se dissipar com o trabalho» - Séneca - pois o seu principal e mais laborioso estudo é de si mesmo.

Michel de Montaigne, in 'Ensaios - De Três Espécies de Convivência'

Esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que procurar o prazer

  Privamo-nos para mantermos a nossa integridade, poupamos a nossa saúde, a nossa capacidade de gozar a vida, as nossas emoções, guardamo-nos para alguma coisa sem sequer sabermos o que essa coisa é. E este hábito de reprimirmos constantemente as nossas pulsões naturais é que faz de nós seres tão refinados. Porque é que não nos embriagamos? Porque a vergonha e os transtornos das dores de cabeça fazem nascer um desprazer mais importante que o prazer da embriaguez. Porque é que não nos apaixonamos todos os meses de novo? Porque, por altura de cada separação, uma parte dos nossos corações fica desfeita. Assim, esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que na busca do prazer.

Sigmund Freud, in 'Correspondência (1883)'

Nunca nos Assemelhamos a nós Próprios

O homem não é conhecível a si próprio, porque a sua vida consiste em esforços alternados para ser o que não é, e essa transposição e substituição contínuas de almas irreais e estranhas fazem com que aquilo que na verdade e, ao contrário de Deus, pareça o que nunca é. Mesmo no mais pobre de nós existem pelo menos sete homens.

Há aquele que parece aos outros e o julgado, justamente, sabe quase sempre que não é. Há aquele que diz ser e ele próprio sabe não ser, porque a vaidade ou medo tornam sempre mentiroso. Há aquele que julga ser e é o mais distante da verdade, que cada um se inclina para se julgar aquilo que não é, por uma retorsão do orgulho que afasta tudo o pior, que é a maioria. Há aquele que quereria ser, o mito pessoal de todo o homem, o sonho reservado ao futuro, aquele que depois deforma todas as autobiografias. Aquele que finge ser para comodidade e necessidade da vida comum, onde o insensível deve mostrar-se caloroso, o avarento liberal e o vil corajoso. Há aquele que se poderia chamar o nosso duplo desconhecido: a personalidade subconsciente, que só conhecemos vagamente e por suposição, embora oriente com frequência a nossa vida e sugira, valendo-se hipocritamente de razões fingidas, muitos dos nossos actos.

E, finalmente, há aquele que é verdadeiramente e ninguém conhece, à parte Deus, do qual apenas um inimigo paciente pode entrever algumas fracções inferiores. O eu essencial e autêntico esquiva-se sempre, a tudo e a si próprio. Nunca nos assemelhamos a nós mesmos.

Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'

Arriscar tem a ver com confiança

   Arriscar tem a ver com confiança. Uma pessoa sem confiança vai tentar repetir, fazer igual aos outros, não cometer erros, que é uma ideia muito valorizada. Mas o erro está ligado à descoberta. É fundamental não ter medo nenhum do erro. O que é o erro? Eu tinha previsto ir numa determinada direcção e não fui, errei. O erro é encontrar alguma coisa, algo que se cruza com o novo, o criativo.

Gonçalo M. Tavares, in "Entrevista a MilFolhas (Público), em 8 Janeiro 2005"

segunda-feira, 5 de março de 2012

O teu caminho

Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida, ninguém, exceto tu, só tu.
Existem, por certo, atalhos sem números, pontes e semi-deuses que se oferecerão para levar-te além do rio, mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias.
Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar.
Onde leva?
Não perguntes, segue-o

Nietzch


domingo, 4 de março de 2012

Tudo flui

   “Phanta rhei” (tudo flui) usada por Heráclito (540-480 a.C.), resume muito bem essa questão de mudança. Segundo a concepção de Heráclito tudo está em movimento e nada dura pra sempre; o dia vira noite, o vapor se transforma em líquido que por sua vez “flui” para sólido. Coisas quentes esfriam, coisas frias esquentam; coisas úmidas secam, coisas secas umedecem etc. Podemos levar em conta também as várias formas que os átomos dão a matéria.  Tudo se move, nada se fixa na imutabilidade. Ele costumava repetir uma frase que se tornou célebre – ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários. Para este filósofo, a dialética pode ser exterior – um raciocínio de dentro para fora – e imanente do objeto – quando se foca na observação atenta do ser. Heráclito entende este processo dialético como um princípio.

Deste conflito entre os opostos é que nasce a concórdia, a harmonia. Isto permite que o Ser seja uno ao mesmo tempo em que se encontra mergulhado nas constantes mutações do contexto que o envolve. Ele ainda afirma que os contrários ocupam perfeitamente o mesmo espaço, simultaneamente, como o início e o final de uma esfera. Partindo destes postulados, Heráclito estabeleceu uma ‘arché’, ou seja, uma origem de tudo que há – o fogo, para ele o elemento primordial entre os outros que constituem o universo: água, terra, ar. Sob seu ponto de vista, esta substância transmuta-se em tudo que existe, assim como tudo nela se transforma – percebe-se, assim, um fluxo constante de mutação.

Heráclito de Éfeso